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O Culto do Empreendedorismo Está a Matar as PME’s

Foto do escritor: Rita Maria NunesRita Maria Nunes

Por Rita Maria Nunes, Country Manager TAB Portugal


Vivemos numa era em que o empreendedorismo é exaltado como a panaceia para todos os males económicos e sociais. No entanto, este culto quase religioso ao “ser empreendedor” tem vindo a desvirtuar o verdadeiro sentido de gerir uma PME. 

A glorificação de histórias de sucesso reluzentes, muitas vezes baseadas em exceções, encobre uma realidade amarga: muitas empresas estão a ser sufocadas.

O problema reside na forma como se idealiza o empreendedor. A imagem do “herói solitário” que revoluciona o mercado com uma ideia inovadora tornou-se o modelo a ser imitado. Mas a verdade é que, para cada história inspiradora de sucesso, existem incontáveis fracassos que nunca encontram espaço nos holofotes. Este fenómeno cria uma pressão desmedida nos empresários, que passam a acreditar que apenas as startups disruptivas e de crescimento meteórico têm valor. Em vez de investir na consolidação, na eficiência e na adaptação gradual, muitos gestores tentam forçar uma transformação abrupta, ignorando as bases sólidas que uma PME necessita para sobreviver e prosperar.

A obsessão pelo empreendedorismo, tal como é retratado nas redes sociais e nos seminários motivacionais, alimenta uma ilusão perigosa. Os discursos motivacionais exaltam a ideia de que basta ter “visão” e “coragem” para triunfar, esquecendo-se de mencionar a importância de uma estrutura de gestão rigorosa, de uma estratégia de longo prazo e, sobretudo, do controlo financeiro e operacional. Este romantismo empresarial, longe de ser inspirador, acaba por ser um veneno para a tomada de decisões fundamentadas. 

A verdade incómoda é que a paixão e o entusiasmo não substituem a disciplina dos números e o planeamento estratégico.

Além disso, a glorificação do empreendedor individual ignora o facto de que uma PME é, por natureza, uma organização coletiva. A fixação na figura do “empreendedor visionário” pode levar à centralização excessiva do poder e à tomada de decisões unilaterais, ignorando as contribuições e a experiência dos colaboradores. Esta abordagem autoritária e centrada na personalidade não só mina a moral da equipa, como também impede a inovação que nasce da diversidade de ideias e da colaboração. O verdadeiro sucesso de uma empresa reside na capacidade de integrar múltiplas perspetivas e de construir uma cultura de responsabilização e transparência.

Por outro lado a busca incessante por escalabilidade e rentabilidade a curto prazo pode transformar uma PME numa experiência de risco, onde a ambição desmedida substitui a prudência necessária para a manutenção do negócio. A realidade é que o crescimento desordenado raramente resulta em sucesso a longo prazo e pode, na verdade, acelerar o declínio de empresas que não se adaptam de forma gradual e consistente às exigências do mercado.

A pressão para ser “empreendedor” coloca os gestores num dilema: por um lado, são pressionados a adotar modelos disruptivos e a correr riscos enormes para impressionar investidores e parceiros; por outro, a verdadeira natureza de gerir uma PME exige paciência, consistência e, acima de tudo, um compromisso real com a eficiência operacional. 

O impacto deste culto não se limita apenas ao nível da gestão de topo. A sociedade, ao exaltar o empreendedorismo sem críticas, acaba por criar expectativas irreais em novos talentos e futuros empresários, que muitas vezes se veem iludidos por promessas vazias e modelos inatingíveis. 

O resultado é um ciclo vicioso onde o insucesso se torna a regra, e a frustração alimenta a descrença no potencial das PME’s como motores de desenvolvimento económico sustentável.

É imperativo que os gestores de PME abandonem a adoração cega ao empreendedorismo romântico e adotem uma abordagem mais pragmática e realista. A verdadeira inovação não reside em correr riscos exorbitantes, mas em construir uma base sólida, alicerçada numa gestão rigorosa, na análise crítica dos dados e na valorização do contributo de toda a equipa. É hora de resgatar o verdadeiro espírito empresarial, aquele que reconhece a importância da disciplina, do planeamento e da colaboração, e de deixar para trás as ilusões que mais atrapalham do que ajudam o desenvolvimento dos negócios.

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